segunda-feira, 23 de setembro de 2013


Ex-namorado

Ele é meu ex-namorado.
Na verdade, ele 'era' meu ex-namorado.
Só agora nos despedimos formalmente, de um jeito que termina com qualquer final feliz de novela das sete e até com o prefixo 'ex'.
Porque 'ex' foi alguma coisa.
Porque 'ex' faz parte da nossa história, quer queiramos ou não.
Acontece que, nos meus critérios, venho tentando considerar 'ex' quem, de alguma forma, acrescentou alguma coisa... uma lembrança ou atitude positiva, a espontaneidade de um sorriso, uma vontade de estar ali, naquele momento.
Mas ele conseguiu acabar com o que eu guardava de mais sagrado a seu respeito.
Havíamos sido amigos de infância.
Um amigo apaixonado pela garotinha dos olhos azuis que morava no quarteirão de sua tia.
Até essa 'derradeira despedida', era muito mimoso lembrar, por exemplo, que a sua foi a única visita que recebi quando tive hepatite.
Um menino libriano que, sem medo do meu jeito desfigurado e amarelo, foi me ver, saber como eu estava.
Vários anos depois, na época da faculdade, namoramos.
Namoro breve, o tempo necessário pra ter certeza de que ele deveria ser exatamente o que sempre fora: um amigo muito querido.
A partir daí, nossas vidas tomaram rumos completamente opostos.
De tão opostos, em certo ponto ficaram terrivelmente parecidos.
Ainda assim, as lembranças pueris e juvenis estavam arquivadinhas. Porque faziam parte daquele álbum em que a gente mantém as figurinhas que não saem em duplicata, sabe? Pessoas que nos são caras pelo simples fato de existirem.
Então, nos reencontramos numa rede social. Aquela que une e desune nossos afetos tão rápido quanto um flash de luz.
E tudo foi retomado não a partir do nosso namoro de antigamente, mas do nosso convívio enquanto crianças.
Dividimos afinidades e músicas.
Dividimos amizades e experiências de mais de trinta anos depois.
Havia muito pra ser compartilhado sem qualquer menção ao nosso curtinho romance.
Era como se aquela fase simplesmente não tivesse existido.
Foi quando, então, tratamos de finalizar aquilo que não teve despedida.
'Terminamos' num dia em que minha opinião não combinou com a dele. 
Num dia em que, sem querer, acabamos comparando nossas vivências, nossos desencantamentos e o resultado de cada um após esses anos todos.
Num dia, o primeiro e único, em que não respeitamos nossas preferências tão avessas e tão iguais.
Por mim, não teria 'acabado' assim.
Por mim, ele teria permanecido naquele álbum de relíquias.
Mas, nas profundezas do que a psicanálise muito bem explica, entendo que houve, por parte dele, a necessidade da ruptura definitiva, ainda que um motivo tão tolo tenha sido o grande pretexto.
Aquela discussão do fim, a morte formal do que, pra mim, já estava morto e enterrado, aquela despedida e o aceno de tchau... tudo o que não houve, agora existia: o tal protocolo que qualquer relacionamento exige.
E terminamos, também, com a esperança de sermos bons amigos. Talvez porque nunca tenhamos sido.
Porque nossa história não começou com uma amizade, creio que não tenha alcançado a proeza de resultar numa boa amizade.
Whatever... se tudo que nasce precisa ter um fim, aqui jaz mais uma história.
Bonita como poucas, mas igual a muitas que não suportam o 'peso do afeto'.
Guardadas as devidas proporções, Kundera tinha razão:
'O acaso tem seus sortilégios; a necessidade, não. Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se encontrem nele desde o primeiro instante, como os pássaros nos ombros de São Francisco'.
 
(Stella Marla - 23Set2013)

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