terça-feira, 9 de outubro de 2012

Gérbera

Na estação, enquanto a aguardava embarcar em sua vida, sorria-lhe também o viço daquela gérbera quase vermelha.
Véspera de primavera, promessas de vida inteira.
Abriu espaço na casa pequena, comprou mais lenha pro frio que ainda fazia lá dentro.
Na lareira, o fogo quase matava o medo de que tudo fosse em vão.
Amor dos tempos de criança.
Amor do tipo família.
Do tipo cabana.
Amor do interior.
E do interior vinham zêlo e apego a quase tudo que havia pra ser cuidado, incluindo a flor mais que cor de laranja.
Durante aqueles anos, a gérbera fora várias vezes ressuscitada. E vingou, todas aquelas vezes.
Dependia de sua vigília, então, ela cuidou.
Não faltou calor do sol, refresco da chuva.
Mas, como num piano a quatro mãos, carecia de cuidado em dobro, em dupla.
Não chegou a rezar pra que só a morte lhes separassem, mas tentou, sim, mais um 'pra sempre'.
Era o cansaço de suas esperanças cobrando o desejo de permanência, de constância.
Seguia nutrindo a fé, sem, no entanto, revolver a terra onde morava a flor.
Vez em quando ela voltava linda e isso deveria bastar.
E até bastava.
Mas faltava o outro par de mãos.
Faltou o comprometimento da mistura.
Faltou o medo de perder a semente.
Sobrevivente de quase cinco invernos, a gérbera quase vermelha, como que pedindo licença, assume, então, a fadiga por todas aquelas chances que lhes dera, e sucumbe.   
Renúncia.
Despedida.
E desembarca suas pétalas no outono, a última estação de sua vida.

(Stella Marla - 09Out2012)

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